sexta-feira, 29 de abril de 2011

Abril

Não sou bom com datas. Não consigo nem lembrar do aniversário dela!
Era Abril eu acho. Tenho quase certeza que era e se não era eu gostaria muito que tivesse sido!
Ainda hoje, depois de tanto tempo eu consigo achar aqueles momentos na memória sentindo o cheiro dos dias do mês de Abril. Enquanto todo mundo tenta achar uma maneira de provar o amor para outras pessoas nós vivíamos em um jogo onde tentavamos mostrar de forma sutil que não precisávamos um do outro.
Quanta burrisse! Talvez se tivéssemos explicitado mais o sentimento escondido as coisas pudessem ter sido diferentes.
Quero dizer, todas as pessoas percebiam que nos dávamos bem e isso era a mais pura verdade.
Talvez se um dia tivéssemos manifestado algum ciume um do outro, tivéssemos tornado tudo mais real.
E depois foi a explanação tardia demais do sentimento. E depois foi a lembrança. E depois foi a verdade. E depois foi a decepção. E depois a redenção.
Nunca em todas as fases deixamos de nos falar, jamais deixamos de conviver bem por mais estranho que possa parecer.
O erro talvez tenha sido aquela festa que ela quis ir e eu não reclamei.
Talvez tenha sido o fim de semana que eu desapareci e ela não quis saber onde eu estava.
Talvez o maior erro tenha sido estarmos um em cada lugar quando na verdade deveríamos estar juntos, assistindo um filme, transando, falando besteira ou só dormindo juntos. Talvez nunca tenha havido erro nenhum. Talvez o erro tenha sido o início ou o fim.
Talvez tudo tenha sido errado e se tiver sido eu bato de frente e "tranco a porta do destino pra curtir o caminho errado".
Agora é tarde demais mas pode ser que depois volte a ser cedo. Talvez volte a ser a manhã cinza de Abril com cheiro de tempo nublado que me remete à ela!
Todo mundo sabe o que significa um beijo, mas ninguém tem como saber o que ele pode se tornar! Eu não sei e sei que ela também não sabe!



sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Ocidente

Ela me disse que se chamava Brenda e eu acreditei.
Ela disse estudava cinema, que sonhava em morar fora, que tinha perdido a mãe e que não se dava bem com o pai e com os irmãos.
Ela me disse que trabalhava numa pequena rede de televisão como redatora de um programa de noticias bizarras.
Disse que estava na festa porque sempre a freqüentava, gostava do ambiente e de ter um lugar onde pudesse ouvir musica boa no meio de tanta coisa ruim.
Dizia ela que não gostava de beber cerveja, que tomava apenas destilados e no meio da pronuncia da palvra "destilados" eu era um escravo da garota.
Falou sobre o livro que estava lendo, algo a respeito de um rapaz que saía de um local em peregrinação pelo mundo inteiro atrás de um tesouro que estava escondido em sua casa. Não prestei atenção nem no nome do livro e nem no nome do autor.
Disse que tinha muita gente no bar e me perguntou se não queria ir para outro lugar.
Contou no carro que perdera um amigo recentemente em um acidente.
Disse que queria me beijar e o fez.
Perguntou como eu gostava mais, assim que chegamos no motel.
Falou, gritou, mordeu o travesseiro, apertou o colchão com as mão e a minha cintura com as pernas.
Disse que não se achava uma moça bonita, mas era linda.
Falou que não sentira dor nenhuma quando fez as tatuagens.
Disse que precisava ir embora e que não precisava que eu à levasse.
Disse que me encontraria no outro dia, no mesmo bar, no mesmo horário.
Disse que estava adorando me ver todos os dias durante uma semana.
Disse que estava sentindo algo diferente, que crescia cada a cada novo encontro, que gostava mais de mim do que gostara de qualquer outra pessoa, que me amava.
Falou que me amava.
Não apareceu no bar no outro dia, e nem nos próximos.
Sumiu simplismente.
Falou que me amava e era mentira, e depois que tudo o que aconteceu foram todas as coisas que ela disse, já não podia mais acreditar em nada que ela dissera, só me sobrara a lembrança do sexo.
Ela me disse que se chamava Brenda e me disse que amava e eu não acredito em mais nada.



sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Rage


PELO PRESENTE, FAÇO SABER A
QUEM INTERESSAR POSSA QUE:

NESTE DIA, 27 DE AGOSTO DE 1976, CHARLES EVERETT DECKER foi julgado culpado, pelo Superior Tribunal de Justiça, de homicídio doloso contra Jean Alice Underwood, e também julgado culpado neste mesmo dia, 27 de agosto de 1976, de homicídio doloso contra John Downes Vance, seres humanos.
Foi determinado por cinco psiquiatras estaduais que Charles Everett Decker não pode, nesta ocasião, ser julgado responsável por seus atos, por razões de insanidade mental. Decide por conseguinte esta corte de justiça que ele seja recolhido ao Augusta State Hospital, onde deverá ser submetido a tratamento até que seja oficialmente declarado responsável, a fim de responder pelos atos que praticou.
Dado e passado nesta data.


(Assinado)
Samuel K. N. Deleavney
Juiz de Direito




"Não tenho pesadelos há quase duas semanas. Armo um bocado de quebra-cabeças. Dão-me creme, que odeio, para comer, mas como, ainda assim. Eles pensam que eu gosto. De modo que, novamente, tenho um segredo. Finalmente, tenho um segredo outra vez.
Mamãe enviou-me o anuário da escola. Não o desembrulhei ainda, mas talvez faça isso.
Talvez na próxima semana. Acho que poderia olhar para as fotos de todos os formandos e não tremer nem um pouquinho. Antes de muito tempo. Logo que eu consiga me convencer de que não haverá listras pretas de tinta em suas mãos. Que as mãos deles estão limpas. Sem tinta. Talvez, na próxima semana, eu me convença inteiramente disso.
A respeito do creme: é apenas um pequeno segredo, mas ter um segredo faz com que eu me sinta melhor. Novamente como um ser humano.
Este é o fim. Vou ter que desligar a luz agora. Boa noite."




sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Felix Felicis

A carta fora achada. Ele cravou a carta no seu travesseiro com a caneta que provavelmente teria usado para escrevê-la. No rádio tocava uma compilação de músicas do Copeland e a não ser pela música e a densidade da cena de uma carta que fora cravada em um travesseiro com uma caneta, a casa estava exatamente como sempre fora. Tinha coisas jogadas pelo chão por cima de outras coisas, insetos por todos os lados. As marcas de infiltração na parede mais pareciam obras de arte outrora pintadas pelos seus próprios olhos quando passava horas apenas conversando com Valérie e olhando para as paredes. Algumas das marcas pareciam ao mesmo tempo demônios de sua mente e indefesos animais a passear pelo cimento umedecido.

“Como a mente pode reagir quando por mais que você tente se convencer que ainda tem razões suficientemente boas para continuar a viver, a vida insiste em pregar na sua cara o quadro da solidão? Você pode sim, muitas vezes comprar um kit de felicidade instantânea e se sentir como se tivesse tomado Felix Felicis onde por alguns minutos, você se sente muito melhor. Por fim acabo achando que heroína e o amor são a mesma coisa. A mesma ilusão, a mesma maravilhosa sensação de mentira que dura apenas minutos. Corrijam-me se eu estiver errado, quando nos encontrarmos no inferno!



Dionísio”


segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Uma Pedra chamada Valerie

Valerie era uma garota porto-alegrense, ela era a tradução da palavra arte. Seu próprio nome parecia ter saido de um romance francês. A cor dos cabelos encaracolados era a mesma cor dos pelos dos mais belos e valentes leões do mundo e ela era corajosa e forte como eles, que combinavam perfeitamente com os lindos e sempre bem maquiados e claros olhos castanhos. Ao falar, parecia ter um dialeto próprio. Falava como os grandes da literura passada escreviam os dialogos de seus livros.
Valerie conseguia expor os seus pensamentos em forma de pinturas. Grandes e belos quadros sempre maravilhavam as poucas pessoas que tinham o prazer de vê-los.
Existem algumas vezes em que nós fazemos coisas, que parecem ser outras coisas, e isso não significa que elas sejam. Desse modo, a menos que tenhamos por perto pessoas que acreditem sempre que as coisas que falamos são verdades incontestáveis, perdemos a nossa liberdade de pensamento e de expressão. Isso era provavelmente a coisa que mais entristecia Valerie. De uns tempos pra cá, ela tinha perdido a sua liberdade. Ela não podia pintar o que quisesse, pois tinha sempre que se preocupar com o que iria parecer ser o significado das suas obras, quando na maioria das vezes ninguém estava perto de entender. Pensava em pensar nos outros até que pensou que isso prejudicaria os seus pensamentos e então parou. Como poderiam, seus amores duvidarem do que ela dizia ser verdade? Sempre soube-se que amor sem confiança não existe. A arte era a coisa mais importante da vida de Valerie, e ela não se conformava de que as pessoas tivessem a pretensão de que ela usaria de seu talento para dizer alguma coisa para alguém. Se quisesse falar algo, falaria, com a boca. Então Valerie, deixou de amar. Agora ela era apenas uma garota que não amava ninguém. Amava apenas a sua arte, e as suas criações se amavam entre si. Suas pinturas agora mostravam o amor como ele nunca tinha sido visto antes, e em breve as pessoas pensariam que ela estaria apaixonada, pois todas as pessoas pensam demais. As pessoas diziam que ela amava, porém, talvez ela nunca mais tivesse capacidade para tal coisa.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Quiet Music.

Dionísio andava pelas ruas de Porto Alegre tentando encontrar o homem que lhe vendia a felicidade. Precisava encontrá-lo. Valerie havia cortado o seu coração. Ela decididamente não o amava mais. Ele sabia que não tinha entendido errado a série de pinturas que ela tinha feito na semana anterior. Maldita mania que as pessoas que ele admira têm de deixar as coisas subentendidas a ponto de alucinar algumas cabeças.

“Como eu faço pra ter Valerie de volta? Todas as coisas que ela me dizia eram mentira? Será que eu realmente entendi o que ela queria dizer com os quadros? Será que ela queria dizer alguma coisa com os quadros? Existem coisas que eu jamais vou saber, a menos que eu pergunte. Tentar adivinhar o que se passa na cabeça dela, só vai me fazer ficar pior. Afinal de contas, sou forte, se não puder ter Valerie vou esquecê-la. Se me apaixonei em duas horas, posso me desapaixonar em duas horas, duas horas e meia, talvez. Valerie, quero te ver só pra te esquecer. Esquecer teu beijo, rosto, gesto, realidade, tua lagrima, dor e mistério.”

(Trecho de uma página arrancada do diário de Dionísio.)


segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Deus está Morto.

Ele gostava de Rock, de literatura, Nietzsche, de história e de Ernesto. Acredita em um deus de olhos azuis que usara heroína e suicidara-se. Queria conhecer o mundo. Tinha algo para dizer, não importando qual o assunto tratado, sempre tinha opinião formada. Vinte anos do signo de Áries. Andou doente por uns tempos.
Ultimamente os dias estavam diferentes. Percebia uma coragem que ainda não conhecia. Não se preocupava com o que as pessoas pensariam de seus atos, desde que tinha dez anos de idade. Recentemente mandara pro inferno grande parte da sua (pseudo) vida social. Tomara algumas atitudes, faz questão de enfatizar que elas estão corretas, mas não com a intenção de se auto-convencer disto. Há algum tempo acordava todo santo dia mais aliviado e pleno. Por vezes olhava fotos de um passado recente e longínquo. Sabia que a vontade de chorar era normal. Não escondia nada de ninguém, por isso tinha um mundo portátil. Gostava da frase “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”, de Ernesto. Ele chamava-se Dionísio.